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A forma mais eficaz de lidar com o custo econômico da Covid-19 é agir rápido para deter o vírus
Começa a construção de hospital de campanha para receber pacientes com coronavírus no estádio do Pacaembu, em São Paulo — Foto: Prefeitura de SP/divulgação
Não adianta reclamar de Bolsonaro nem da China. A hora é de salvar vidas. Haverá custos econômicos? Sem dúvida. Será esse o problema de amanhã. Mas primeiro é preciso resolver o de hoje: deter o novo coronavírus. Não dá para esperar. Como conclui a série de posts que publiquei na semana passada, a hora de agir é agora.
Os números demonstram que não podemos nos dar ao luxo de vacilar nem de postegar as ações. Países que demoraram ou não levaram a Covid-19 a sério no início – como Itália ou Espanha – estão pagando um preço altíssimo em mortes e sobrecarga do sistema hospitalar. Só quando se ataca a doença com seriedade, os casos recuam.
Não imediatamente, é essencial entender. A incubação e evolução da Covid-19 até os sintomas leva uma semana, e o tratamento no hospital dura em média dez dias. Os primeiros resultados das ações só são perceptíveis, portanto, pelo menos quinze dias depois que são adotadas. Até lá, os mortos ou recuperados são aqueles que contraíram o vírus duas semanas antes.
Na Coreia do Sul, a doença começou a explodir no dia 20 de fevereiro. O governo estabeleceu 43 postos de coletas de amostras que hoje têm capacidade de testar mais de 15 mil pessoas por dia. Só em 3 de março os casos caíram. Wuhan, epicentro da pandemia na China, entrou em quarentena radical no dia 23 de janeiro. A queda nos diagnósticos só se fez sentir em 8 de fevereiro. Na semana passada, segundo as autoridades chinesas, não houve contágio interno.
Eis os dois tipos de medida essenciais para deter a Covid-19: testes em massa com isolamento dos infectados (a contenção, estratégia da Coreia do Sul) e a versão drástica do distanciamento social conhecida como supressão (adotada na província de Hubei, onde fica Wuhan).
Como o Brasil não se preparou satisfatoriamente para o combate à doença, por isso não dispõe da capacidade de testes suficiente necessária à estratégia coreana, será inevitável decretar quarentenas, como já foi feito no estado de São Paulo.
É uma situação inédita num país desacostumado a viver situações de guerra ou a lidar com catástrofes naturais recorrentes, como furacões ou terremotos. Decorrem daí dúvidas pertinentes: por quanto tempo? A que custo? E se a doença voltar depois? A economia aguentará ficar parada durante o período necessário para deter o vírus?
A experiência dos países asiáticos demonstra que é possível conter o surto com as medidas de supressão. O período depende de estudos mais precisos, mas é possível estimá-lo em algo como dois meses. Assim que o contágio cair abaixo do patamar que garante a erradicação natural do vírus – ou, tecnicamente, assim que o “número efetivo de reprodução” R for inferior a 1 (leia mais sobre esse indicador aqui) –, será possível relaxar as medidas mais draconianas.
Mas não a vigilância, pois o coronavírus é mutante e poderá irromper em novos surtos. O ideal é usar o tempo da quarentena para disseminar os testes por todo o país e garantir os equipamentos necessários para tratar os doentes mais graves (UTIs, respiradores artificiais etc.). De acordo com o Boston Consulting Group, o Brasil não está tão mal-equipado. Temos 20,3 leitos de UTI para cada 100 mil habitantes, mais que Itália, Espanha, Coreia do Sul ou China. Ainda é preciso garantir que os leitos estejam disponíveis a quem precisa, na hora que precisa.
Depois da supressão inicial, a partir do momento em que o contágio subir numa determinada região, será então possível adotar uma abordagem mais restrita, de quarentenas específicas, de modo a conter a transmissão e manter o resto do país funcionando. Como explica o consultor Thomas Pueyo num texto publicado na semana passada, primeiro é hora de usar o “machado”. Depois, de manter a “dança” em torno do indicador R. É o que têm feito países como a própria Coreia do Sul, Taiwan ou Cingapura, quando novos casos têm aparecido.
Pueyo sugere que, para manter o R abaixo de 1, as autoridades avaliem uma série de medidas que podem ser ativadas ou desativadas, de acordo com a evolução do contágio. Elas vão da adoção de testes agressivos da população até a quarentena absoluta. É um bom modelo para a tomada de decisões racionais, que não paralisem as atividades além do necessário para conter o vírus.
A vitória definitiva sobre a Covid-19 só virá quando tivermos um tratamento eficaz ou uma vacina. Para isso, também precisamos ganhar tempo. É verdade que só um grau razoável de imunidade coletiva, estimado entre 50% e 70%, terá capacidade de nos proteger em definitivo do vírus. Mas não dá para defender que ela seja alcançada deixando o vírus se disseminar, para que parte da população pegue a doença e, ao se curar, fique imunizada.
O Reino Unido, que apostava nessa estratégia até o último dia 12 de março, voltou atrás há uma semana quando apresentado aos resultados de simulações que previam 250 mil mortes – e o colapso dos hospitais – caso usasse apenas a estratégia de mitigação para grupos de risco.
No Brasil, não seria diferente. Suponha que a doença contamine uns 30% da população (metade do patamar necessário para alcançar a tal imunidade coletiva). Seriam 63 milhões de infectados. Quantos morreriam? Só é possível estimar de modo grosseiro, pois a mortalidade da Covid-19 ainda é uma incógnita.
Na Coreia, que implementou uma contenção eficaz, a mortalidade fica acima de 0,7% dos casos confirmados. Na Itália, supera os 8%. Um estudo publicado na semana na revista Science avaliou que, na China, 86% dos infectados não foram diagnosticados. Isso traria a mortalidade sobre a população infectada para algum valor entre 0,1% (exemplo da Coreia) e 1,2% (Itália). Imagine então que, no Brasil, fique no meio do caminho, em torno de 0,5%.
Deixando a doença se espalhar a 30% dos brasileiros, haveria nada menos que 315 mil mortos (0,5% dos 63 milhões). Isso faria da Covid-19 a segunda maior causa de morte no país, atrás apenas das doenças do coração (que mataram 356 mil em 2018, segundo dados preliminares do Ministério da Saúde), logo acima do câncer (227 mil). Mesmo que a estratégia de mitigação aplicada aos grupos de risco reduzisse a mortalidade a níveis coreanos, ainda haveria 63 mil mortos – mais que o total de homicídios.
Quantos mortos o país está disposto a aceitar para não ficar paralisado? Eis a questão real diante de nós.